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ACIDE

Tecnologia assistiva inclui pessoas com deficiência no meio social

Por Marcelo Bahiano

Essas tecnologias têm ajudado pessoas com deficiência a sairem da segregação.

ACIDE oferece aula de Informática. Foto – Marcelo Bahiano

As tecnologias assistivas começaram a avançar com velocidade nos últimos 24 anos, e começaram a ajudar pessoas com deficiência a sairem da exclusão e do isolamento, permitindo a esse público exercer o seu papel de cidadão perante a sociedade – é o caso do professor José Arcanjo Dias Rocha que, em 1994, ouviu falar do Sistema Dosvox e resolveu levar a novidade para a Associação Conquistense de Integração do Deficiente – ACIDE. Logo após, chegaram as linhas de crédito que possibilitaram à pessoa com deficiência comprar ou adquirir qualquer serviço que possa garantir a acessibilidade, como reformas arquitetônicas e tecnologias. A primeira instituição financeira a fazer isso com o custo de juros baixo, chegando a 0,40%, foi o Banco do Brasil, com o BB Acessibilidade. Entretanto, apesar da facilidade do crédito, e de existirem alguns programas e aplicativos gratuitos, esse tipo de tecnologia ainda tem um custo alto.

Foi no Fantástico que o professor Arcanjo ouviu falar pela primeira vez do sistema dosvox, em 1994, porém, como um entusiasta dessas tecnologias assistivas, no ano seguinte, Arcanjo comprou uma versão do produto e trouxe para a ACIDE e apresentou aos seus alunos. Na época, o custo do sistema foi R$ 112,04, e ali começava uma nova realidade para as pessoas com deficiência visual do município de Vitória da Conquista.

Esse mesmo público que antes vivia segregado a um meio doméstico, sem poder se comunicar com os outros, e que tinha somente o Braille e um radinho de pilha para poder saber o que estava acontecendo no mundo externo, passou a se relacionar com pessoas ditas normais, por meio da internet. O sistema começou com um editor de texto e com o passar do tempo, foram surgindo as evoluções, o PapoVox que, como o nome já sugere, é um chat de interação entre pessoas com deficiência ou aquelas ditas normais.

As tecnologias assistivas tem evoluído rapidamente nas últimas três décadas, proporcionando às pessoas com deficiência a inclusão no meio social, exercendo o seu papel de cidadão. No município de Vitória da Conquista, o professor José Arcanjo foi o pioneiro na aquisição de uma dessas tecnologias e levando a novidade aos seus alunos ACIDE. O sistema DosVox, criado pelo professor Antônio Borges, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, em 1993. Na época, Borges tinha um aluno com deficiência visual, Marcelo Pimentel, que foi quem ajudou o professor a desenvolver o sistema, expondo suas necessidades.

No início, para adquirir o sistema DosVox, era necessário pagar. Com o passar do tempo, a UFRJ disponibilizou o produto gratuitamente na internet, para download.

““Quando eu escutei falar do programa no Fantástico, fiquei com vontade de trazer para a instituição. Isso foi em 1994, e eu trouxe no ano seguinte””, disse o professor José Arcanjo. Para ele, as tecnologias assistivas ainda são caras, mas ressalta que já existem alguns aplicativos e programas gratuitos, como os que já vem nos smartphones.

No entanto, já existem linhas de créditos mais em conta para aquisição dessa tecnologia. O BB Acessibilidade, por exemplo, é um crédito disponibilizado pelo Banco do Brasil, com juros de 0,40%. Segundo o banco, essa é a parte social da instituição financeira, que ainda é pouco divulgada – poucas pessoas sabem sobre este financiamento, com o qual podem ser adquiridos produtos tecnológicos ou reformas que facilitem a acessibilidade.

Esse tipo de serviço só começou a ser oferecido pelas instituições finaneciras após o vigor da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei nº 8742, de 7 de dezembro de 1993), que prevê a concessão de um Benefício de Prestação continuada (BPC), pago mensalmente a famílias que tenham uma pessoa com deficiência e renda abaixo de ¼ de salário mínimo per capita. Além da LOAS, outra lei também facilitou o acesso às linhas de crédito: a lei nº 8213, de 24 de julho de 1991, que determina a contratação de pessoas com deficiência para compor o quadro de funcionários em empresas privadas, cuja quantidade pode variar de 2% a 5%, sendo propocional ao número total de empregados na empresa. E, por fim, o Estatudo da Pessoa com Deficiência, a lei nº 13146, de 6 de julho de 2015, que engloba as determinações das demais leis citadas.

Nas décadas de 70 e 80, e até mesmo antes, inclusão e acessibilidade eram palavras ainda desconhecidas. Hoje, com 53 anos, o professor José Arcanjo conta que nessa época citada, cursou o ensino fundamental na cidade de Caatiba – BA, onde passou sua infância, e o ensino médio no Instituto de Educação Euclides Dantas, conhecido como Escola Normal, já em Vitória da Conquista – BA.

Quando estudava em Caatiba, fazia uso de uma caneta que tinha uma tinta forte, conhecida como hidrocor. Até os 10 anos, Arcanjo tinha um resíduo de visão de 10%, que perdeu após essa idade. Depois surgiram outras tecnologias, como a máquina de datilografar e o gravador de áudio, por meio da fita cassete. ““Era muito bom! Minha mãe lia um livro para mim e ia gravando, e eu escutava várias vezes, sem incomodar ninguém””, lembrou Arcanjo. Ainda explicou que antes a pessoa com deficiência, principalmente a visual, ficava segregada em casa. Por mais que existisse o sistema Braille, os cegos só se comunicavam com pessoas com a mesma deficiência, e ainda existia o isolamento. A situação era amenizada pelo rádio de pilha, para ele, um veículo de inclusão.

Tecnologia ajuda Karoline Quaresma estudar. Foto Marcelo Bahiano.

Karoline Quaresma, 29 anos, graduanda do curso de Direito na Uesb, diz que, hoje, sem as tecnologias assistivas, seria impossível estudar, e que ainda estaríamos no tempo em que nas escolas existiam salas especiais, ““iria ficar cego com cego e outras deficiências com outras deficiências; seria uma semelhança com o que era antes””, diz Caroline e conclui: ““antes eu não sabia o que estava fazendo em sala de aula, ficava perdida, sem nenhuma acessibilidade, me sentia excluída””.

Alana Sheila trabalha com auxílio da tecnologia. Foto – Marcelo Bahiano

Alana Sheila, 40 anos, professora e atualmente presidente da ACIDE, conta que quando foi internada no Instituto de Cegos da Bahia – ICB, em Salvador – BA, para ela que chegou lá em 1988, com 9 anos, foi um choque de realidade, longe da família. ““Quando chegava época de alguma data comemorativa, eu pensava que iria para casa ficar com a minha família, mas ‘que nada’, era no máximo duas vezes por ano. Ficava frustrada e ainda tinha que cumprir regras rígidas””, fala Alana com expressão pensativa. Em relação às tecnologias assistivas, ela ainda lembra que, na maioria das vezes, ainda tem um alto custo, mas sem elas as pessoas com deficiência não teriam as mesmas oportunidades que tem hoje.

Essas mesmas tecnologias são divulgadas com uma certa frequência pela mídia nacional, principalmente pela Rede Globo e a Record TV. Em uma das aberturas do Fantástico, programa dominical da Rede Globo, tem como destaque uma pessoa com deficiência física, usando uma perna mecânica e dançando juntamente com outros bailarinos. E a Record sempre dá evidências para as novas tecnologias assistivas que estão surgindo como, por exemplo, o óculos israelense, que lê o ambiente para a pessoa com deficiência visual.

Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, com dados de 2011, 1 bilhão de pessoas vivem com alguma deficiência, o que significa uma em cada sete pessoas no mundo. A cidade de Vitória da Conquista – BA, segundo o último Censo realizado pelo IBGE, em 2018, possui uma população de 338.885 habitantes. Baseado na estimativa da OMS, entende-se, então que Vitória da Conquista possui, aproximadamente, 48.412 pessoas com algum tipo de deficiência. Entretanto, segundo a Comissão de Visitas da ACIDE, existem, ainda, muitas pessoas com deficiência em situação de segregação e/ou isolamento familiar, dificultando a soma destes números. Um dos motivos para que esse fato ocorra é a ideia de que o benefício (BPC) pode ser suspenso, caso a pessoa tenha convívio social.

Para o professor Arcanjo, as oportunidades tem que ser igual para todos, e por isso ele passou adiante os seus conhecimentos para os seus alunos. ““Hoje eles sabem mais do que eu, manusear um smartphone, coisa que não faço.””, diz o professor, com a sensação de dever cumprido. E ainda resume: ““As tecnologias, para as pessoas ditas normais, só facilitam, já para nós, pessoas com deficiência, tornam possível””.

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